domingo, 5 de maio de 2013

Tratamento do Refluxo gastroesofágico

O tratamento do refluxo gastroesofágico possui três objetivos principais, nomeadamente: 

  • o alívio dos sintomas
  • a cicatrização das lesões
  • e a prevenção de recidivas e complicações
Para que tal seja possível é essencial conhecer os mecanismos do estômago que se relacionam directa ou indirectamente com esta doença. 

Mecanismos e Células constituintes do Estômago

No estômago ocorre secreção gástrica que é considerada a primeira fase significativa da digestão, na qual se verifica a exposição dos alimentos a um pH muito baixo e o contacto destes com a pepsina, ocorrendo a dissociação das fibras de colagénio e a desnaturação das proteínas (proteólise). Isto levo à desfragmentação dos alimentos em partículas menores. O suco gástrico - um produto da secreção gástrica - contribui para a esterilização dos alimentos e apresenta um papel de extrema importância para a absorção de vitamina B12 e de ferro. Para tal é notável o contributo das células que constituem as depressões gástricas presentes no estômago. 





Adaptação da ilustração do livro Saunders, editor. Medical Physiology. 2nd Edition ed2009


Posto isto, é de extrema importância referir a existência de três tipos de medidas no tratamento do refluxo gastroesofágico que têm por fundamento os mecanismos anteriormente descritos , sendo estas:

  •  as medidas comportamentais
  • as medidas farmacológicas 
  • e as medidas cirúrgicas.
As medidas comportamentais passam por mudanças de hábitos e aquisição de comportamentos , por parte dos doentes , que sejam benéficos para a sua saúde e que ajudem no alívio dos sintomas desta mesma doença. Entre estas medidas devem ser destacadas as seguintes: elevar a cabeceira da cama; moderar a ingestão de citrinos, bebidas alcoólicas, café, chocolate, tomate e alimentos gordurosos; e , por fim, o cuidado com medicamentos de risco como por exemplo colinérgicos, teofilina,bloqueadores de canal de cálcio e alendronato. É de considerar ainda as medidas farmacológicas, que passam pela utilização de antiácidos ou alcalinos, inibidores da bomba de protões, bloqueadores de receptores de H2 de histamina e procinéticos.

Antiácidos ou alcalinos 


http://www.cliquefarma.com.br/blog/wp-content/uploads/2012/10/antiacido-300x198.jpg


O estômago encarrega-se da produção de suco gástrico que é constituído, essencialmente, por muco (produzido pelas células mucosas do colo), por enzimas e ácido gástrico (HCl). Tendo em conta que esta secreção atinge valores de pH muito reduzidos, as células que recobrem as paredes estomacais poderiam sofrer corrosão devido à acidez extrema. No entanto, a cobrir toda a área interna do estômago, está uma barreira de protecção de carácter mucoso que impede a danificação celular. Por outro lado, o esófago, que numa situação de refluxo também poderá entrar em contacto com o ácido produzido pelo estômago, não possui a mesma barreira que este último o que pode resultar em sequelas graves para esta estrutura anatómica. 
É com o objectivo de reduzir este problema que actuam os antiácidos. Visto serem constituídos, na sua grande maioria, por bases (bicarbonato de sódio, principalmente) vão reagir com o ácido clorídrico segundo a seguinte fórmula química geral: 

HA + BOH → H2O + BA
ÁCIDO  BASE   ÁGUA   SAL

Assim, para o caso do bicarbonato de sódio, ter-se-á:

HCl(aq) + NaHCO3 (aq)→ H2O (l) +NaCl (aq)+ CO2

Estas fórmulas traduzem uma reacção de neutralização em que há consumo do ácido e da base com formação de novos produtos, tendo como resultado um aumento de pH ao nível do estômago. A acção dos antiácidos não implica que o pH estomacal fique básico mas menos ácido. Este facto reduz a quantidade de ácido a contactar com o esófago, ocorrendo menos corrosão das suas paredes e um consequente alívio da dor associada a úlceras e à sensação de ardor. 

Inibidores das Bombas de Protões (IPB) 

As membranas da célula parietal expressam H+/K+ ATPase, um transportador activo primário responsável pela secreção de HCl. Quando as células que constituem estas membranas são estimuladas a secretar HCl (durante a alimentação) sofrem alterações notáveis no seu aspecto como pode ser comprovado pela figura seguinte: 



No estado não estimulado caracterizam-se por possuir uma rede tubulovesicular que contém H+/K+ATPase. Com a activação as membranas tubulovesiculares fundem-se com a membrana plasmática dando origem à membrana canicular. Em consequência deste fenómeno ocorre um aumento significativo da área desta membrana devido à inserção de um maior número de bombas H+/K+ATPase nas mesmas. É assim que a secreção de HCl é promovida. 

  1. Depois da modificação das membranas das células parietais e do consequente aumento do número de bombas de protões, a H+/K+ ATPase bombeia iões H+ da célula para o lúmen, através da membrana, em troca de iões K+. Trata-se de um mecanismo de transporte activo impulsionado por ATP, no qual os iões H+ são bombeados contra um gradiente de concentração muito mais elevado (1:1 milhão) 
  2. A reentrada dos iões H+ na mucosa é impedida por junções íntimas existentes entre as células
  3. Os iões K+ que entram na célula sofrem reciclagem para o lúmen ou penetram no líquido intersticial através de canais de K+
  4. Dá-se, assim, a manutenção de electroneutralidade já que se verifica secreção passiva de iões Cl- da membrana apical para o lúmen através de canais de Cl-.
  5. Forma-se HCl
Para diminuir a formação de HCl, os IPB terão que actuar ao nível da H+/K+ ATPase de modo a inibi-la. Um inibidor de bombas de protões comummente usado é o omeprazol. 

O omeprazol pertence à classe dos benzimidazóis - compostos orgânicos aromáticos heterocíclicos - e não possui acção inibitória em pH neutro. Este facto leva a que este fármaco actue apenas quando alcança a acidez do estômago através da sua protonação e transformação em sulfenamida ou ácido sulfénico nos canículos da célula parietal.





A sulfenamida liga-se de forma irreversível ao grupo sulfidrilo dos resíduos da cisteína na superfície externa da H+/K+ ATPase,  inibindo a actividade da mesma e bloqueando a hipersecreção de ácido gástrico. 




Bloqueadores dos Receptores H2 da Histamina 

Tal como todos os tratamentos farmacológicos considerados até então, também os antagonistas dos receptores H2 da Histamina necessitam de uma contextualização ao nível dos mecanismos moleculares da secreção de HCl para que seja possível a compreensão do seu modo de actuação. Sendo assim, é importante conhecer os três principais estimulantes da secreção de iões H+ e da açteração da forma das células parietais (aspecto anteriormente referido como essencial para que ocorra a activação da H+/K+ ATPase):


  • a histamina,
  • a acetilcolina
  • e a gastrina
A histamina liga-se a receptores H2 que se encontram dispostos ao longo das células parietais gástricas, resultando daqui uma estimulação da adenilciclase (AC) e um aumento de produção de monofosfato de adenosina cíclico (cAMP) intracelular. Este aumento no citoplasma, a partir de ATP, activa a proteína cinase A que induz, por sua vez, a fosforilação de aminoácidos e a activação de várias proteínas como a proteína de ligação de resposta ao cAMP, resposta que permite a ligação do cAMP à H+/K+/ATPase e, consequentemente, a sua activação e a posterior secreção de iões H+. 
A acetilcolina liga-se aos receptores muscarínicos tipo M3 nas células parietais que, por acção do cálcio, estimulam a H+/K+ ATPase, levando à secreção de iões H+. De modo semelhante, a gastrina liga-se a receptores CCK2 presentes nas células parietais, levando à estimulação da H+/K+ ATPase (também por intermédio do cálcio) e à secreção de iões H+. Por outro lado, tanto a acetilcolina como a gastrina exercem uma acção sobre as células enterocromafinas - células responsáveis pela produção de histamina - e estimulam, desta forma, a produção de histamina. 





Os bloqueadores dos receptores H2 da histamina ligam-se de modo reversível aos receptores H2 presentes na célula paritetal de maneira a impedir que a histamina se ligue aos mesmos. Deste modo, não ocorre estimulação da H+/K+ ATPase e, como resultado, não ocorre a secreção de ácido gástrico.

Procinéticos

Os procinéticos facilitam a libertação de acetilcolina nas sinapses dos plexos mioentéricos. Estes plexos são caracterizados como uma vasta cadeia de neurónios interconectados que coordenam principalmente as contracções ao nível do tracto gastrointestinal. Para além disso, a acetilcolina é um neurotransmissor, sintetizado nos neurónios colinérgicos, que se apresenta como o principal neurotransmissor excitatório no tracto gastrointestinal. Assim sendo, a acção dos procinéticos sob a produção de maior quantidade de acetilcolina irá resultar numa melhoria da mobilidade de todo o tracto, numa maior facilidade de coordenação andro-duodenal e na aceleração do esvaziamento gástrico. O refluxo gastroesofágico, mais concretamente um dos seus sintomas principais - as regurgitações - são inibidas.



Por último, encontram-se as medidas cirúrgicas. Estas medidas são apenas aplicadas quando os pacientes não respondem satisfatoriamente ao tratamento ou quando não é possível a continuação do tratamento farmacológico.
De entre as técnicas cirúrgicas, a mais utilizada é fundoplicatura de Nissen, em que se dá a restauração da barreira mecânica através de uma pressão exercida sobre o esófago. Este método permite a recriação de um bom ângulo na transição esofagogástrica o que alivia os sintomas típicos entre 90% e 95% dos doentes.

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